Clara Rosa e Nathália Souza
Em 17/10/2018
 |
Foto: Protótipo Filmes |
É
melhor tomar "cuidado com o buraco", adverte o fundador do São Paulo
Fashion Week, Paulo Borges, enquanto nos guia pelo espaço Arca, na Vila
Leopoldina, que a partir da próxima segunda-feira (22.10) passa a abrigar a
semana de moda paulistana. Muito embora o dress code para a ocasião inclua
capacetes de segurança, não há o menor sinal de perigo. No ar, apenas poeira e
a expectativa para uma temporada que introduz uma série de novidades, do
formato ao line-up, e segue até a véspera do fim de semana em que o brasileiro
vai às urnas eleger, no segundo turno, um novo presidente. “Realizar esta
edição no epicentro de uma discussão tão polarizada é um bálsamo para a
vertente criativa do mundo. É um exercício de resistência da criatividade”,
diz. “E o SPFW nasceu para isso”, completa.
Ele
tem razão. Com 22 anos de existência, a maior fashion week do país sabe uma
coisa ou outra sobre mudanças – e não apenas as que apontam alternância de
tendências nas coleções. Atravessou crises econômicas, experimentou diferentes
lógicas de calendário junto ao mercado. Ficou gigante, ficou mais enxuta, viu
marcas nascerem, outras sumirem e, ainda hoje, segue firme em pé. Agora, sob um
pé direito de 16 metros.
São
só cinco dias até o pontapé inicial da 46ª edição e as 400 pessoas que
constroem agora a estrutura do evento dentro de um dos dois prédios do complexo
industrial erguido pela Votorantim não param. Desde que o bate-estaca teve
início no local, coisa de um mês atrás, muita coisa na paisagem mudou. Outras,
propositadamente, permaneceram – entre as características originais
preservadas, estão os recortes verticais que, em forma de janela, vazam luz
natural durante o dia. E também o mezanino que abrigava a gerência da antiga
fábrica, agora convertido em espécie de torre de controle para as projeções em
video mapping que vão preencher o galpão nos próximos dias.
Cinco
mil metros de veludo bordô costurados em cortinas definem a linha entre entrada
e saída das duas salas de desfile. “Nada aqui tem porta, a nossa ideia é
transitar”, conta Paulo. As passarelas contam agora com dez metros de largura
(versus os quatro metros, por exemplo, dos tempos em que se assistia às
apresentações no Prédio da Bienal), deixando literalmente a mensagem que, no
que depender deste SPFW, há espaço para a moda hoje.
Em
especial, para a nova moda, feita por jovens talentos: com poucos veteranos no
line-up (salvo a adição de nomes consolidados no varejo), é principalmente
através do Projeto Estufa que a semana de moda leva uma injeção de frescor,
colocando em cena marcas pouco ou nunca antes contempladas pela indústria
fashion desta maneira. São delas os desfiles para os quais, junto a uma agenda
de masterclasses, talks e laboratórios que abordam economia criativa e
empreendedorismo, há ingressos à venda (100 por dia, somente nos dias 23, 24 e
25.10), em uma movimentação que enfatiza o novo potencial desejado para a
semana de moda. “A ideia é criar acesso e incluir cada vez mais gente na
discussão”, conta Paulo.
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Foto: Protótipo Filmes |
Para
não perder a deixa da discussão, pergunto se ele acredita que o efervescente
contexto político será alinhavado com alguma das coleções que serão
apresentadas na próxima semana (afinal, independente do grau de interesse na
própria cidadania, basta ter um celular conectado nas redes sociais para saber que
é improvável navegar a comunicação nos dias de hoje, seja lá qual for a
mensagem desejada, sem esbarrar nesse assunto – e seres criativos como
estilistas estão, frequentemente, explorando traduções para o espírito dos
tempos). “Em todos esses anos, o SPFW sempre defendeu liberdade e criatividade,
nunca se posicionou de maneira partidária. Também não temos qualquer relação
com as propostas de moda trazidas pelas marcas. Ronaldo Fraga, para citar um
exemplo, tem discurso político desde sempre, é o caso do artista pensador. Não
acho que todos têm que ser como ele e também não acho que não podem ser como
ele. Para alguns estilistas esse assunto não entra na discussão. Para outros,
faz parte da vida” conclui.